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REDE PONTOCOM DE RÁDIO

29 de dezembro de 2014

VALE DO JEQUITINHONHA – ARTISTAS POPULARES CONQUISTAM FAMA MUNDIAL.

Há aquelas que remetem a galinhas, outras que chamam a atenção por lembrar bonecas. Existem também as simples, mais práticas, como também algumas que têm várias cabeças, cada uma delas parecendo um animal.


Em cartaz no Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, a exposição Moringas do Vale do Jequitinhonha: Memória preservada, reúne 39 peças feitas na década de 1970 principalmente em Caraí, município do Vale reconhecido por sua produção artesanal em barro. O conjunto, que vem a público pela primeira vez e é o único do gênero numa instituição brasileira, integra o acervo de arte popular do museu, que agrega um número de 600 objetos de vários gêneros.

Moringa é um termo indígena; em português, é a boa e velha bilha. Sua existência remonta a milhares de anos e diferentes culturas. No Brasil, foram as moringas produzidas pelos artesãos do Vale do Jequitinhonha que ultrapassaram a função inicial, que é a de transportar água. Na exposição, com curadoria de Cláudia Cristina Cardoso e consultoria de Joubert Cândido Rodrigues, são destacados exemplares que acabam contando também um pouco da história daquela região. “A cerâmica mais criativa do Vale está em Caraí porque os artesãos não aceitaram trabalhos governamentais”, comenta Joubert.

A partir da década de 1970, quando há o boom da produção artesanal da região, os nomes mais representativos do local se recusaram a trabalhar em novos fornos. “Seu Ulisses (Ulisses Pereira Chaves, considerado por muitos o maior escultor ceramista do Vale), disse que não queria. Dessa maneira, a parte criativa foi beneficiada, pois não tem afetação nem influência de encomendas”, continua Joubert. A mostra reúne trabalhos de Ulisses e de outros artesãos de reconhecida importância, como a família Batista, entre elas Noemisa Batista dos Santos.

Moringas são encontradas em toda a era pré-colombiana – à exceção de Cuba e Terra do Fogo, a cerâmica foi produzida em todos os países a partir do México. “Na época, era uma cerâmica tosca, feita por pura necessidade”, continua Joubert. Tanto moringas quanto vasilhames e até urnas funerárias. A produção poderia ser a partir da técnica do levante – em que se amassa o barro que vai sendo levantado por camadas – ou através do torno, trazido pelos europeus. A técnica do levante é utilizada até hoje no Vale do Jequitinhonha.

De pai para filho - As moringas decoradas, uma tradição da região, têm seus ensinamentos passados de pai para filho “desde tanto tempo que nem mesmo eles sabem quando começou. O que dá para sentir é que os negros que foram para lá já sabiam fazer cerâmica. A junção do negro com o indígena resultou na cerâmica do Vale”, continua Joubert. Nos exemplares expostos, a riqueza de modelos e estilos é grande. Há exemplares da moringa trípode, que tem três grandes bolas que fazem a sustentação do objeto. “Essas começaram a ser documentadas a partir do século 18. Há alguns autores que se referem ao culto da fertilidade.”

Existem exemplares das chamadas moringas zoomorfas (que representam animais), antropomorfa (que se assemelha à forma humana) e até mesmo uma moringa antropozoomorfa (de um lado a cabeça de um homem; do outro, a de um sapo). “O grande pontapé para que o trabalho ficasse conhecido foi dado por Burle Marx, que nos anos 1970 passou a comprar muitas peças de seu Ulisses”, diz o pesquisador. Também no período, com a Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha (Codevale) em atividade, os artesãos foram estimulados a criar. Como já dominavam a técnica, puderam dar asas à imaginação. “É quando vem o apogeu da arte, que rompe com o utilitário e passa para o lado artístico”, diz Joubert. “Dona Izabel (Izabel Mendes da Cunha) contava que fazia moringas e colocava cabeça de bonecas”, acrescenta. A partir dessa experiência ela vai desenvolvendo seu trabalho até criar as famosas bonecas do Vale, hoje referência internacional no artesanato. Informações: www.mhnjb.ufmg.br

Conservação e restauro - A exposição Moringas do Jequitinhonha ocupa uma das quatro salas de exposição temporárias do Museu de História Natural. No espaço, até então havia uma exposição de física e química, que foi desativada. A intenção é a partir de agora dedicar a área para o acervo artístico da instituição. Para 2015, está prevista a instalação do laboratório de conservação e restauro, que vai funcionar numa sala contígua à de exposição. “O visitante vai ter a oportunidade de ver o acervo e também o trabalho dos restauradores junto à cerâmica”, afirma a curadora Cláudia Cristina Cardoso. De acordo com ela, a perspectiva é que a coleção de arte popular – que inclui ainda peças utilitárias como bules, xícaras, jarros, e decorativas, como bonecas e animais – seja apresentada aos poucos ao público.


FONTE: Jornal Estado de Minas, via Aconteceu no Vale.