Uma semana antes de morrer, dona Izabel, a “bonequeira” mais famosa de
Minas Gerais, estava baqueada, sentindo muitas dores devido a um câncer no
intestino. Mesmo assim, continuava fazendo o que mais lhe dava prazer: modelar
o barro, assá-lo em fornos de argila e transformá-lo em obra de arte.
A artista, de 90 anos, não resistiu à doença, diagnosticada há apenas
três meses, e morreu nesta sexta-feira (31) no hospital de Santana do Araçuaí,
distrito de Ponto dos Volantes, no Vale do Jequitinhonha. “O câncer estava muito avançado. O
médico não recomendou nem operar. Infelizmente, não tinha mais jeito. Ela ainda
estava conversando, mas piorou na segunda-feira. As dores eram tão fortes que
nem com a morfina estava dando conta”, informou a neta da artista, a
ceramista Andreia Pereira de Andrade.
Andreia conta que a avó recomendava aos filhos e netos que não se
desesperassem no dia de sua partida, pois já havia cumprido sua missão no
mundo. “Ela sempre falava que tinha vivido o suficiente e se considerava uma
pessoa feliz. Dizia para gente ficar sossegado. É difícil, vamos sentir muita
falta, mas tentaremos levar da melhor forma possível”, afirma.
A neta espera que a obra da avó continue a ser valorizada e que seu
legado se perpetue. “Como parte da família e como aprendiz de sua
arte, só tenho a agradecer. Mais do que nunca, temos que mostrar o trabalho
dela. Minha avó divulgou Santana do Araçuaí e o Vale do Jequitinhonha para o
Brasil e o mundo. Sua obra vai ficar, é isso que importa”, destaca.
Admiradora do trabalho de dona Izabel, a colecionadora Priscila Freire,
ex-diretora do Museu de Arte da Pampulha (MAP), considera a ceramista figura
“quase mitológica”, hors concours das artes. A especialista lembra que Izabel
ganhou o Prêmio Unesco de Artesanato para a América Latina (2004), entre outras
condecorações.
Do Vale para o mundo - Izabel Mendes da Cunha nasceu em 3 de agosto de 1924, na comunidade rural de Córrego Novo, no Vale do Jequitinhonha. Filha de paneleiras que vendiam utilitários de barro, fazia bonecas para brincar, escondida da mãe. Autodidata, sempre modelou rostos com feições mais sérias. As famosas bonecas, que começaram a ser criadas nos anos 1970, têm origem em moringas de barro cujas tampas eram cabeças.
As peças se tornaram populares graças à Comissão de Desenvolvimento do
Vale do Jequitinhonha, que comprava o artesanato local para revenda, e a um
colecionador francês, que levava as bonecas para sua galeria, em São Paulo.
Em 2003, as bonecas de dona Izabel foram parar na São Paulo Fashion
Week, quando o estilista Ronaldo Fraga homenageou as ceramistas do Vale do
Jequitinhonha.
Mãe de quatro filhos, ela recebeu vários prêmios, como o Unesco de
Artesanato para a América Latina (2004), a Ordem do Mérito Cultural (concedida
pelo Ministério da Cultura, 2005) e o Prêmio Culturas Populares (Ministério da
Cultura, 2009).
Dona Izabel foi também homenageada pela presidente Dilma Rousseff
durante a abertura da exposição Mulheres artistas e brasileiras, no Palácio do
Planalto, em Brasília.
FONTE: Jornal Estado de Minas, via Aconteceu
no Vale